MAIRA SOUZA OLIVEIRA BARRETO
• Graduação em Medicina Veterinária e Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais — Universidade Federal de Lavras (UFLA)
• Mestrado em Ciência Animal – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalhando com degeneração crônica valvar mitral
• Doutorado em Ciência Animal – UFMG, sendo um ano na Escola de Medicina e Saúde Pública da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), com foco em diferenciação cardiogênica de células-tronco
• Aperfeiçoamento em Cardiologia Veterinária – Escola de Veterinária da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA)
• Membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia Veterinária (SBCV)
• Presidente da Regional Minas Gerais da SBCV (triênios 2017-2020; 2020-2023)
• Foi responsável pelo Serviço de Cardiologia do Hospital Veterinário (HV) da UFMG e de clínicas particulares na cidade de Belo Horizonte e atualmente em atividade no HV da UFLA
• Professora de Cardiologia Veterinária em cursos de especialização lato sensu
• Cofundadora da VENA Cardiologia Veterinária (@vena.cardiologia)
A família de ácidos graxos ômega-3 (ω-3) é constituída por ácidos graxos poli-insaturados (AGPIs) ditos essenciais, já que o organismo do homem, do cão e do gato não é capaz de sintetizálos, por isso devem ser adquiridos por meio da dieta. O principal ácido graxo da família ômega-3 é o ácido alfalinolênico
(ALA), e a partir de sua metabolização se originam os ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosa-hexaenoico (DHA).
Contudo, essa metabolização do ALA em EPA e DHA não é eficiente nos mamíferos, daí a importância da suplementação direta de EPA e DHA, em vez de ALA. O ALA é encontrado em fontes vegetais, como canola e linhaça, enquanto o EPA e o DHA estão presentes em fontes marinhas de águas frias, como algas e peixes (salmão, anchova, arenque, sardinha)1. Já se comprovou que o EPA e o DHA, em comparação ao ALA, apresentam maior atividade imunomoduladora e melhores efeitos sobre receptores de membranas celulares, sinalização, transcrição celular e expressão gênica, o que resulta em
efeitos benéficos para o sistema cardiovascular2. Na medicina, os benefícios cardiovasculares propiciados pelo ômega-3 já foram reportados e sua utilização terapêutica permanece recomendada pela última Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, de 20183. Na medicina veterinária, seu uso vem sendo estudado em animais saudáveis
e doentes por diferentes especialidades (Cardiologia, Dermatologia, Neurologia, Oncologia), mas a experiência clínica ainda é limitada. Nesse contexto, é importante ressaltar que as informações obtidas pela medicina humana auxiliam o embasamento científico da medicina veterinária. Porém, muito se tem a estudar sobre o potencial terapêutico dos AGPIs da família ômega-3 em cães e gatos, considerando-se as diferenças entre essas espécies e a humana. Sucessos e insucessos observados em ensaios in vitro ou in vivo com humanos ou cobaios de laboratório devem ser criteriosamente analisados antes de se transpor esses resultados para os pacientes veterinários. Por fim, outro fator desafiador é a falta
de consenso entre as dosagens utilizadas, o que necessita de padronização, uma vez que se encontra grande variação entre diferentes grupos de pesquisa para as diversas enfermidades.
A dosagem empregada por nossa equipe de pesquisa e na rotina clínica cardiológica segue o proposto por Freeman em 20104: 40 mg/kg de EPA + 26 mg/kg de DHA a cada 24 horas para cães. Já para felinos, temos utilizado 130 mg de EPA + 85 mg de DHA/gato a cada 24 horas. Ambas as combinações resultam na proporção de 1,5 de EPA:1 de DHA.
- INFLAMAÇÃO E CAQUEXIA
A patogenia da insuficiência cardíaca (IC) envolve a produção de diversos mediadores inflamatórios importantes, como interleucinas dos tipos 1β (IL-1β) e 6 (IL-6), fator de necrose tumoral (TNF), fator de transcrição nuclear kappa beta (NF-κβ) e espécies reativas de oxigênio (EROs). Ao inferir à família ômega-3 uma ação importante no controle das cardiopatias, uma das razões é que o EPA reduz a formação desses mediadores.
Além disso, o EPA promove a síntese de diversos outros produtos, reconhecidos como eicosanoides pouco inflamatórios, como prostanoides de classe 3 [prostaglandina do tipo E subtipo 3 (PGE3), tromboxano do tipo A subtipo 3 (TXA3), prostaciclina do subtipo 3 (PGI3)] e leucotrienos da classe B tipo 5 (LTB5). Somado a isso, o DHA inibe a liberação de ácido araquidônico (ARA), de modo a prevenir a agregação plaquetária1. Dessa forma, os AGPIs da família ômega-3, em especial o EPA, apresentam importante potencial anti-inflamatório, o que é de grande auxílio no manejo das cardiopatias.
Outra consequência da IC é o desenvolvimento de caquexia cardíaca, isto é, a perda de massa magra que acomete os pacientes (humanos e animais) com doença avançada e é considerada fator de risco para mortalidade no homem5, em felinos6 e no cão7. Dessa forma, torna-se imperativo manter adequado suporte nutricional e satisfatório escore de condição corporal e de massa muscular do paciente com doença crônica debilitante. Enquanto a IC é tida como uma condição inflamatória, a caquexia cardíaca relaciona-se a um grau ainda maior de inflamação que o da IC isoladamente5-7. As citocinas inflamatórias IL-1 e TNF reduzem o apetite, aumentam o metabolismo energético e promovem o catabolismo proteico endógeno via NF-κβ8. Dessa forma, os AGPIs da família ômega-3 diminuem o catabolismo proteico por meio da inibição dos efeitos provocados por IL-1 e TNF.
Estudo multicêntrico feito com pessoas cardiopatas mostrou o efeito anti-inflamatório do emprego de AGPIs da família ômega-3, pois se verificou que eles promovem menor síntese de lipoproteína associada à fosfolipase do tipo A (Lp-PLA)9. Os resultados de um estudo que avaliou cães com cardiomiopatia
dilatada e IC mostraram que a suplementação com AGPIs da família ômega-3, reduziu significativamente os níveis de IL-1, prostaglandina do tipo E subtipo 2 (PGE2) e a perda de massa muscular, em comparação ao grupo não suplementado10. Por fim, outro fator a ser considerado no desenvolvimento da caquexia é a hiporexia ou a anorexia, que acometem os pacientes com IC crônica. Estudos demonstraram que, devido ao estado inflamatório da doença, com altos níveis de TNF e IL-1, ocorre a diminuição de fatores neurais que estimulam o apetite e o aumento da sensação de saciedade11. Assim, uma das alternativas terapêuticas para o controle da anorexia seria a suplementação com EPA e DHA, a fim de reduzir os níveis de TNF e IL-1.